Esta semana, participei da Febraban Tech 2024.
Como sempre, foi um evento grandioso, suntuoso e extremamente útil para observar as tendências do setor financeiro no Brasil.
Observei que muitas empresas estavam preocupadas em apresentar soluções utilizando Inteligência Artificial (IA) Generativa, parecendo esquecer que IA não se resume a só isso. Também constatei com tristeza o sucateamento que vem ocorrendo no setor de automação bancária com a diminuição paulatina das redes de ATMs dos principais bancos do país.
Muito bem pessoal, como talvez alguns lembrem, meu nome é Fagner Souza, trabalho há mais de duas décadas no setor financeiro, especificamente na área de automação bancária e também automação comercial. Participei de dezenas de edições desse evento que, antigamente, tinha um nome diferente. Você sabia disso? Pois é, anteriormente o evento era uma marca conhecida como CIAB (Congresso e Exposição de Tecnologia da Informação das Instituições Financeiras), importante evento nacional organizado pela Febraban (Federação Brasileira de Bancos). A Febraban decidiu em 2022 trocar o nome do evento para Febraban Tech, muito motivada pelas mudanças de perfil dos bancos e serviços financeiros, com a adição e crescimento e importância cada vez maiores das Fintechs. O evento ocorre desde 1991, portanto, essa foi a 34ª edição.
IA
Nessa 34ª edição, a Febraban Tech trouxe como tema "A jornada responsável na nova Economia da IA", e as empresas expositoras, no geral, procuraram demonstrar suas iniciativas nessa tendência que tomou o mundo nos últimos dois anos, que é a Inteligência Artificial. Eu só fiquei me perguntando o que havia de responsável em algumas dessas iniciativas!
Explico-me: IA é uma tecnologia que não é recente, existe há décadas e vem avançando ao longo desses anos tanto em abrangência quanto em popularidade. O aumento significativo do poder de processamento e armazenamento que, agora, podemos acessar facilmente através de qualquer celular ou smartphone com acesso à internet, facilitou bastante a implementação de processos para a criação de modelos treinados e execução de algoritmos cada vez mais complexos. A IA ficou boa em produzir conteúdo, e isso virou produto e passou a ser disponibilizado em massa, atraindo cada vez mais pessoas e empresas.
Ocorre que há um custo alto envolvido aqui, e não é só financeiro. A IA que mais se popularizou foi a generativa, pois é ela que é boa para a produção de conteúdo, principalmente alimentado/estimulado por chat. Mas enquanto ela é ótima para o que se propõe: produzir conteúdo textual ou imagens/vídeos a partir de instruções em linguagem natural inseridas em um chat, ela não é a melhor alternativa para outras tarefas como: criar um banco de perguntas e respostas que alimenta um ChatBot. Não é melhor, pelo menos não em termos de consumo de recursos. IA Generativa consome muito processamento e armazenamento, pois envolve a criação de modelos muito grandes.
Na Febraban Tech 2024, observei um banco demonstrando o uso de IA Generativa em seu ChatBot de suporte ao cliente para um segmento específico. No entanto, esse tipo de problema já vem sendo resolvido há anos com IAs muito mais eficientes. É crucial que as empresas considerem todas as alternativas tecnológicas disponíveis, escolhendo aquelas que sejam mais eficientes e sustentáveis para suas necessidades, especialmente se quiserem fazer jus ao termo "responsável" destacado no tema do evento. A própria Microsoft, uma das empresas presentes, possui um produto altamente eficiente, o QnA Maker, que resolve esse tipo de problema sem recorrer à IA Generativa, utilizando outras técnicas de Machine Learning para alcançar o objetivo pretendido.
Em relação à Inteligência Artificial, acredito que ainda enfrentaremos muitos desafios antes de realmente acertarmos. No entanto, estou convencido de que a informação e a educação serão fundamentais para nos guiar no caminho correto. Quanto mais pessoas se informarem e se educarem sobre esse tema, melhores soluções as empresas serão capazes de produzir utilizando essa tecnologia.
Redes de ATM
Agora, em relação às redes de ATMs no Brasil, as perspectivas não são animadoras. Praticamente todos os bancos têm planos para reduzir suas redes de autoatendimento bancário, e alguns já estão avançando rapidamente nessa direção. Alguns bancos já diminuíram suas redes em mais de 50%, enquanto outros pretendem transferir suas operações de autoatendimento bancário para outras empresas. Embora eu entenda esse movimento, considero-o lamentável. Os bancos deveriam buscar novas formas de utilizar os ATMs, em vez de reduzir suas redes. Além disso, acredito que o perfil técnico dos ATMs poderia ser diferente para atender melhor às necessidades atuais.
Os bancos estão se desfazendo de suas redes de autoatendimento principalmente porque são caras e porque seus novos concorrentes, as Fintechs, não as possuem. As Fintechs são uma realidade há anos, fomentadas pelo Banco Central como uma forma de aumentar a concorrência no setor financeiro. Essa estratégia deu muito certo. Hoje, é comum que uma pessoa tenha três ou mais contas em diferentes bancos virtuais ao mesmo tempo, sem pagar taxas ou mensalidades de cartão, e usufruindo de bons serviços financeiros. Funcionou tão bem que algumas dessas Fintechs agora são maiores do que bancos tradicionais, com mais clientes e movimentações significativas de transações, tudo isso sem gastar nada com redes próprias de ATM!
As Fintechs baseiam suas tecnologias e canais principalmente em smartphones e, em alguns casos, em Internet Banking. Além disso, elas oferecem serviços de autoatendimento bancário por meio de redes compartilhadas, como a operada pela Tecban. Isso representa um ótimo negócio para a Tecban e um péssimo negócio para os bancos tradicionais que precisam arcar com os altos custos de manter suas próprias redes de ATM. Os bancos, especialistas em ganhar dinheiro, já perceberam isso há algum tempo. Após tentarem, sem sucesso, obter regras de concorrência mais justas do Banco Central, agora se veem obrigados a desligar suas máquinas. Em alguns casos, estão seguindo o caminho das Fintechs, aproveitando a rede compartilhada da Tecban, que agora conta com 30 mil terminais (número apresentado em seu stand na Febraban Tech 2024), em contraste com os 8 mil de alguns anos atrás. Eu já estou até pensando em procurar empresa na Tecban ☺
O que poderia ser feito de forma diferente? Acredito que os bancos poderiam ampliar a oferta de serviços em seus terminais de autoatendimento bancário, realmente oferecendo mais do que apenas serviços financeiros. Alguns bancos possuem registros biométricos de milhões de pessoas, e há uma série de casos de uso para essa tecnologia, que vão desde processos de prova de vida, requeridos por muitos serviços de seguridade, até validações de cadastramento para diversos serviços sociais, alguns específicos das cidades.
O Brasil está completamente na contramão do mundo em relação a isso. Veja abaixo algumas iniciativas de uso de ATMs fora do contexto estritamente de serviços financeiros:
1. Japão - Multifuncionalidade dos ATMs
- Pagamento de Contas: Os clientes podem pagar contas de serviços públicos, impostos e até compras online.
- Compra de Ingressos: Alguns ATMs permitem a compra de ingressos para eventos, shows e transporte público.
- Transferências Internacionais: Facilidades para transferências de dinheiro para o exterior diretamente do ATM.
- Recarga de Celulares: Os usuários podem recarregar seus telefones móveis pré-pagos.
2. Índia - Inclusão Financeira
- Distribuição de Benefícios Governamentais: Os ATMs são utilizados para distribuir benefícios sociais e subsídios diretamente aos beneficiários.
- Kiosks de Autoatendimento: Alguns ATMs são equipados com funções de autoatendimento que permitem aos usuários acessar serviços governamentais, como solicitações de documentos e pagamento de taxas.
3. Estados Unidos - ATMs de Criptomoedas
- Compra e Venda de Criptomoedas: Esses ATMs permitem que os usuários comprem e vendam Bitcoin e outras criptomoedas diretamente com dinheiro físico.
- Informações sobre Criptomoedas: Alguns desses ATMs oferecem informações educacionais sobre criptomoedas e como usá-las.
4. Reino Unido - Serviços Postais
- Envio e Recebimento de Correspondência: Os usuários podem enviar e receber pacotes e correspondências diretamente de ATMs localizados em áreas convenientes.
- Compra de Selos: Alguns ATMs permitem a compra de selos e outros produtos postais.
5. Canadá - ATMs Comunitários
- Doações para Caridade: Os ATMs permitem que os usuários façam doações diretamente para organizações de caridade locais.
- Informações Comunitárias: Alguns ATMs fornecem informações sobre eventos locais, serviços comunitários e avisos públicos.
6. Singapura - ATMs Multifuncionais
- Serviços de Governo Eletrônico: Os usuários podem acessar serviços de governo eletrônico, como renovação de licenças e pagamento de taxas.
- Compra de Bilhetes de Loteria: Alguns ATMs permitem a compra de bilhetes de loteria.